Não têm faltado tentativas de fazer interagir a poética de Fernando Pessoa e a filosofia de Edmund Husserl, interpretando uma à luz da outra, ainda que com a devida cautela, dada a total ausência de contacto e a evidente diferença de intenções entre ambos. Em particular, procurou-se apreciar a possível convergência entre as ambições de uma fenomenologia centrada no princípio da “visão pura” e o “objetivismo absoluto” de Alberto Caeiro, o poeta “neopagão”, um dos mais ilustres heterónimos de Pessoa. Os resultados têm sido, no entanto, maioritariamente negativos e os intérpretes têm optado essencialmente por sublinhar os limites da fenomenologia husserliana face à simplicidade dos versos de Caeiro. Estes limites seriam essencialmente atribuíveis ao racionalismo que Husserl, apesar de tudo, continuaria a impor à investigação fenomenológica, orientando-a para o “sentido” das coisas e não para as “coisas mesmas”. Pensamos, no entanto, que uma outra leitura é possível sem, por isso, negar o hiato intransponível que separa Husserl e Pessoa. Para tal, centrar-nos-emos no valor “dogmático” e, consequentemente, “pré-filosófico” do “princípio de todos os princípios”, a intuição, enunciado na primeira secção das Ideen I (§ 24), de onde parte a reflexão fenomenológica: para Husserl, as “coisas mesmas”, antes de qualquer interpretação possível, pedem para ser vistas e aceites tal como se oferecem a um olhar livre de preconceitos. Tentaremos, então, traçar a origem de uma visão comum entre a atitude poética e a atitude fenomenológica, apesar dos efeitos heterogéneos que daí resultam; entre aquele que, sem reflexão, nada mais quer do que ver e aquele que, por outro lado, questionando reflexivamente o que é ver, aspira a ver tudo o que é dado e que, de outro modo, permaneceria invisível.

A fenomenologia do guardador de rebanhos. Husserl e Pessoa: achegas para uma leitura cruzada

Emanuele Mariani
In corso di stampa

Abstract

Não têm faltado tentativas de fazer interagir a poética de Fernando Pessoa e a filosofia de Edmund Husserl, interpretando uma à luz da outra, ainda que com a devida cautela, dada a total ausência de contacto e a evidente diferença de intenções entre ambos. Em particular, procurou-se apreciar a possível convergência entre as ambições de uma fenomenologia centrada no princípio da “visão pura” e o “objetivismo absoluto” de Alberto Caeiro, o poeta “neopagão”, um dos mais ilustres heterónimos de Pessoa. Os resultados têm sido, no entanto, maioritariamente negativos e os intérpretes têm optado essencialmente por sublinhar os limites da fenomenologia husserliana face à simplicidade dos versos de Caeiro. Estes limites seriam essencialmente atribuíveis ao racionalismo que Husserl, apesar de tudo, continuaria a impor à investigação fenomenológica, orientando-a para o “sentido” das coisas e não para as “coisas mesmas”. Pensamos, no entanto, que uma outra leitura é possível sem, por isso, negar o hiato intransponível que separa Husserl e Pessoa. Para tal, centrar-nos-emos no valor “dogmático” e, consequentemente, “pré-filosófico” do “princípio de todos os princípios”, a intuição, enunciado na primeira secção das Ideen I (§ 24), de onde parte a reflexão fenomenológica: para Husserl, as “coisas mesmas”, antes de qualquer interpretação possível, pedem para ser vistas e aceites tal como se oferecem a um olhar livre de preconceitos. Tentaremos, então, traçar a origem de uma visão comum entre a atitude poética e a atitude fenomenológica, apesar dos efeitos heterogéneos que daí resultam; entre aquele que, sem reflexão, nada mais quer do que ver e aquele que, por outro lado, questionando reflexivamente o que é ver, aspira a ver tudo o que é dado e que, de outro modo, permaneceria invisível.
In corso di stampa
Ser humano e natureza
1
28
Emanuele Mariani
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Utilizza questo identificativo per citare o creare un link a questo documento: https://hdl.handle.net/11585/959547
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